Bicha, muda e desvairada

Por Fábio Ramalho

 

 

Quando a imagem da travesti brasileira conhecida como “bicha muda”, que já há algum tempo havia alcançado certo reconhecimento público na periferia de sua cidade de origem, Juazeiro do Norte, alcançou circuitos muito mais difusos e multiplicadores de visibilidade graças a um vídeo que começou a circular na internet em meados de 2008, fomos confrontados com a intensificação de um dilema que já havia marcado muitos outros memes: rir ou não de uma piada que pode ser considerada extremamente ofensiva, uma vez que joga com vários estigmas articulados – a sexualidade, o travestismo, a marginalidade econômica e a deficiência auditiva (sendo este último, talvez, o elemento menos suscetível ao deboche e mais desafiador aos critérios do bom gosto e da correção numa sociedade que, em relação aos outros aspectos mencionados, não parece se envergonhar muito dos seus preconceitos).

No meu caso, o primeiro e maior incômodo em relação ao vídeo foi a sua legenda. Diante da “bicha muda de Juazeiro”, o estranhamento veio para mim, em primeiro lugar, como efeito da rápida recontextualização de sua imagem. O qualificativo de Juazeiro indicava que a partir de então aquela presença havia se tornado uma imagem consumível em um escopo muito mais amplo e desterritorializado, daí a necessidade de assinalar, pela primeira vez, a sua origem. Embora bicha muda ou mudinha já fossem alcunhas correntes nos bairros dos Franciscanos e do Pirajá, dentre outras, ela era sempre ainda aquela presença constante e familiar que habitava e transitava pelas proximidades. Que ela agora ocupasse temporariamente a posição sempre móvel da nova famosa anônima da rede, de quem se ignorava origem, filiação e trajetória, não deixava de aparecer para mim, na época, como um tipo de violência.

Na entrevista concedida à repórter Marleide Duarte, durante a cobertura de um evento anual da cidade chamado Juá Forró, quem aparece é ainda  a filha de Dona Rosa, sempre muitíssimo bem humorada, com uma forte atração pelo glamour e pela tela, pelo universo dos artistas e pelo estrelato, pelas redes de televisão e pelos seus mecanismos de captura da imagem. A cena consiste basicamente em um jogo no qual a repórter faz perguntas que a entrevistada, surda, não pode compreender, e às quais  ela responde com os recursos de que dispõe. Embora a “bicha muda” possa ser considerada o elemento mais frágil dessa relação – uma vez que ela, desprovida do amparo institucional e do domínio do aparato midiático, é submetida à câmera como objeto de uma irreverência efêmera e inconsequente –, não posso deixar de pensar que o escárnio da cena se volta sobretudo contra esse mesmo aparato. Pela figura da repórter televisiva, cuja função se reduz a repetir lugares comuns que caracterizam a cobertura de eventos, mas também e sobretudo pela figura da entrevistada, que leva ao limite essa banalidade jornalística ao conceder uma performance à câmera que, esvaziada de qualquer linguagem verbal, exagera a gestualidade característica da posição que ocupa.

 

 

O que o vídeo parece deixar claro é que, no fim das contas, pouco importa o que diz um entrevistado: sua função é meramente ratificadora. Nesse sentido, a “bicha muda” se mostra um sujeito particularmente equipado para dar corpo à irreverência paródica. Sua aparição midiática efêmera – digo, até que a disseminação do vídeo na internet viesse mudar os termos desse contrato de visibilidade – atesta uma dupla consciência: ela mostra que, em seu fascínio pela imagem, aprendeu muito bem a dominar o repertório de gestos que compõem o meio jornalístico, estando portanto plenamente habilitada para acioná-lo se assim lhe solicitam; e, em segundo lugar, ela demonstra entender muito bem que a estética televisiva se sustenta muito mais por efeitos de superfície do que por conteúdos, prescindindo portanto de qualquer densidade semântica. Está tudo ali, nos gestos: considerações iniciais, momentos de intensificação e maravilhamento (elevação do tom de voz e da cabeça), observações gerais e de contexto (mão aberta que gira indicando uma observação de conjunto ou operação de síntese), ratificação (cabeça acenando positivamente), pausas, retomada do argumento, interpelação direta aos espectadores, olhar para a câmera, beijo soprado à audiência e, por fim, uma última exclamação conclusiva, concordando que sua participação pode ser considerada encerrada. Sua entrevista, afinal, não é a da anônima que se encontra no meio da multidão, mas da personalidade que transita pelos camarins e que está treinada para situações como essa. (Quantos anos não terá ensaiado uma entrevista endereçada aos fãs e admiradores? Quanto zelo não podemos deduzir no aperfeiçoamento dessa pose para a câmera?).

 

Televisão, dinheiro e peitos

Uma situação se repetiu com frequência ao longo dos anos: nossa vizinha aparece em alguma das casas do bairro e, se a televisão está ligada, começa a comentar, com gestos que guardam um grande poder de síntese, a figura dos artistas, o universo das novelas, a grandiosidade das metrópoles e as possibilidades que estas, imagina-se, detêm: viabilizar um modo de ganhar a vida e conceder os meios mais sofisticados e eficazes para a modificação do corpo. Dentre esse grande e diversificado repertório, há um gesto seu que é bastante notável. Na verdade, trata-se da  articulação de dois movimentos que, alternados, tornam-se particularmente expressivos, e que consistem primeiramente em apontar o dedo indicador para a televisão – ligeiramente para cima ou como que através dela, assinalando uma mistura de sudeste (a São Paulo ou o Rio de Janeiro das novelas), de horizonte e de um para além da tela – e, logo em seguida, abrir as mãos em forma de concha sobre o peito, projetando virtualmente os seios advindos do sonho trans de uma feminilização glamourizada. Há uma variação nesses movimentos: às vezes, depois de apontar o dedo para a imagem, ela roda uma das mãos (segurando uma bolsinha imaginária) de um lado, perto do quadril, enquanto esfrega o polegar e o indicador da outra, repetindo esta que é uma das formas mais conhecidas de simbolizar o dinheiro.

Nossa vizinha, que não é boba, sabe que está tudo ali, virtualmente, na imagem da televisão: a espetacularização da vida, uma certa ideia de glamour, a prostituição, a circulação monetária e a prótese de silicone, sem a qual o travestismo é possível mas muito mais incerto, experimental e por vezes excessivamente arriscado. (Recentemente uma transexual muito jovem que morava nos Franciscanos morreu após injetar silicone líquido no corpo).

De uns tempos pra cá os gestos permaneceram, mas com um sentido bastante diferente: ela ainda aponta para a televisão, mas agora sabemos que já esteve lá – no sudeste, no horizonte, na metrópole. Sua participação no programa Qual é o seu talento?, do canal de televisão SBT, cantando I will always love you, também circulou na internet sem, no entanto, alcançar o mesmo status de hit. Sua trajetória não deixou de acarretar, então, certas revisões necessárias: a televisão, antes o veículo supremo do estrelato tão desejado por ela, revelou sua atual condição meramente reativa, pautada por outros meios, replicando e absorvendo aquilo que desponta em circuitos mais instáveis, como a internet, tentando com isso preservar uma relevância e um alcance que já não se sustentam.

Desconheço quem cuidou do seu figurino para a apresentação no SBT, mas, na ocasião, a sua figura foi revestida de uma caracterização no estilo princesa, com coroa e vestido longo negro. Além disso, sua imagem foi submetida à sobrecodificação de um sentimentalismo fora de tom, fundado numa dessas típicas bobagens televisivas: uma exaltação piegas da superação e do triunfo da persistência. Tal exaltação se mostra, nesse caso, particularmente inadequada para dar conta dos termos da situação toda. Não é por acaso, então, que cada vez menos a tela decadente da televisão é aquela que condensa os valores que em certa medida parecem informar a constituição da bicha muda como personagem pública: glamour, visibilidade, hipermidiatização. O que os produtores do programa pareceram não entender é que nem a personagem bicha muda, nem seus interlocutores em cena (repórteres, apresentadores, jurados), nem a plateia do programa ou aqueles, mais numerosos, que consomem essas imagens em suas casas, enfim, ninguém se encontra em condições de (ou disposto a) sustentar, mesmo que cinicamente, os valores conservadores encapsulados no modelo da sertaneja humilde que virou princesa. A internet, mais amoral, mais informe e também mais permeável às dissonâncias estéticas, constituiu um ambiente muito mais refratário para catalisar a disseminação da imagem da bicha muda: as suas roupas extravagantes e sumárias, a inegável componente sexual de sua performance, a intensa corporalidade de sua presença aliada à extensa exposição de seu corpo, a ambiguidade de sua recepção e, ainda, as várias direções e desdobramentos assumidos durante a negociação de sua visibilidade.


Qualquer que tenha sido a exploração de sua fragilidade na entrevista do Juá Forró (e esta exploração é de certo modo inegável), há não obstante uma espécie de reciprocidade que sustenta a cena toda: uma alternância, como uma espécie de coreografia, e também a omissão de qualquer interpelação explicitamente ofensiva. Podemos dizer que o jogo da personalidade que desfia comentários sobre o evento da noite se estabelece dentro de certos limites e que a repórter ratifica a personagem. Na rede nacional, os termos dessa negociação foram bem menos favoráveis: os jurados frequentemente ignoram sua presença em palco e, de forma rude, conversam entre si sem nenhum cuidado de, mesmo que gestualmente, colocá-la a par do que está acontecendo. Trata-se de um tratamento covarde, porque se aproveita da sua capacidade limitada de compreensão verbal para destilar ofensas que não seriam tão facilmente ditas “na cara”. Durante toda a sua participação no programa, é perceptível que a convidada está perdida, que não sabe quando deve começar a cantar e ao que, propriamente, deve se esforçar para responder (como sabe e como pode). Tem, portanto, muito menos controle sobre os desdobramentos de sua imagem. Além disso, é submetida a tratamentos degradantes que pode apenas intuir. É chamada de “esse troço aí”, é convertida no objeto da dinâmica regressiva machista do “leva pra casa”, do “pra cima de mim não” e do “será que é homem ou é mulher”. Uma negociação sempre implica perdas e concessões, mas em alguns casos o preço é bem maior.

 

As ordens da linguagem e a nova designação

Qualquer que seja a boa intenção que orienta certas críticas à circulação destes vídeos como objetos de interesse coletivo, não deixa de ser um pouco ingênuo o rechaço ao seu conteúdo como um caso de ridicularização pública e de exploração das fragilidades humanas, nesse caso tornada mais perversa pelo fato de que o acesso e a compreensão da protagonista aos termos estabelecidos é limitado pelas circunstâncias. Digo ingênuo porque, quando muito, estas observações constatam o óbvio: uma vida como a da “bicha muda” é marcada por uma intensa e nem sempre justa negociação de suas condições de possibilidade. Também porque uma crítica à hiperexposição midiática de figuras que, em muitos aspectos, encontram-se marginalizadas, precisa levar em conta uma trama de complexas relações entre sujeitos, imaginário midiático e desejo de visibilidade. Em outras palavras, é preciso ter em conta que, se veículos midiáticos como a televisão voltam seu poder para o exercício de uma irreverência duvidosa, é porque esse poder é mobilizado e catalisado por inúmeros indivíduos que desejam essa exposição e, tendo a chance, aproveitam-na como podem.

Como disse antes, o que me incomodou no vídeo, muito mais do que a exposição de sua imagem, foi o seu batismo midiático, a designação tão literal, tão direto ao ponto: ela é bicha, ela é muda, ela é de Juazeiro. Gostaria de pensar que esse sentimento não foi fruto de um pudor, como se fosse necessário um pouco mais de sutileza na forma de sua apresentação pública. O motivo do incômodo foi antes o fato de que me pareceu que, pela primeira vez, sua identidade feminina era nomeada, e à revelia. Se não me engano,  nossa vizinha nunca trocou seus documentos. À margem da dimensão simbólica da linguagem, sua transformação ao longo dos anos foi quase exclusivamente corporal, ou seja, as peculiaridades de sua experiência reforçam a ambiguidade intrínseca do travestismo. Mesmo depois de plenamente reinventada, ela é ainda chamada por muitos pelo seu nome de registro, e não é por acaso que ao longo desse texto eu me refiro a ela como “vizinha”* Na vida dela, a designação de um nome feminino nunca pareceu chegar a um bom termo, porque em certo sentido são as próprias condições de seu ingresso ao campo simbólico da língua que se encontram interditas. Ao operar essa nomeação desde uma instância exterior, o título do vídeo da bicha muda recoloca em primeiro plano essa força do ato de nomear, e daquilo que está em jogo nesse gesto.

Por motivo semelhante, as legendas acrescentadas a uma das versões do vídeo constituem uma segunda quebra. Frente à afetação irreverente dos seus gestos e à expressividade de sua performance, as legendas são um recurso humorístico fraco e em grande medida supérfluo, que desloca a graça para outro lugar: para aquilo que  a “bicha muda” supostamente faz sem saber, para a significação subliminar, para o trocadilho. Em suma, a legenda recupera o humor para o âmbito da linguagem verbal, que é justamente aquele do qual ela não pode partilhar. Poderíamos dizer então que essas alterações e inserções na imagem demarcam posições concorrentes. Para usar uma diferenciação bastante comum: podemos rir com a bicha muda, com suas presepadas; ou podemos rir dela, daquilo que ela não previu, dos efeitos involuntários de sua performance. Do mesmo modo que se pode trapacear num jogo acionando uma regra que não estava prevista, sempre que reinserimos a língua falada – o português ou, mais ainda, o inglês, que não deixa de favorecer uma piscadela elitista – é porque buscamos derrotá-la. Ela adere à negociação e nós a traímos.

 

O preconceito, às claras

A questão da língua foi agora, mais uma vez e de maneira muito mais enfática, mobilizada como recurso para interceptar essa presença que, para muitos, parece ser impertinente. Depois de não sei quais trâmites e conexões políticas, um partido político apresentou a “Bixa Muda” como candidata à vereadora no município de Juazeiro do Norte. O Ministério Público apresentou um pedido de impugnação que, segundo divulgação da imprensa, alegava incapacidade da candidata para manifestar sua vontade, bem como falta de discernimento para efetuar decisões políticas. Em suma, sua impossibilidade de expressar-se pela fala foi generalizada como inaptidão para comunicar-se e, por sua vez, sua conduta e seu visual excêntricos foram tomados como sintomas inequívocos de insanidade. Como expressão de um preconceito, os termos que constituíram as bases para a impugnação são de uma clareza desconcertante. É bicha, é extravagante e por isso mesmo só pode ser louca, desvairada, incapaz de cumprir com toda a responsabilidade que o cargo requer.

Da cobertura de eventos e dos programas de auditório, a bicha muda passa agora aos noticiários ligeiros da crônica policial e urbana como caso jurídico e político. Já plenamente empenhada em gerir a imagem de sua personagem, ela aparece em uma externa do programa Barra Pesada cumprimentando a população em uma praça, enquanto os meandros da sua situação são discutidos entre o repórter e um representante da comunidade LGBT. A força paródica dos seus gestos se volta agora para a figura da candidata que pede votos e cumprimenta os cidadãos eleitores, moradores locais sentados nos bancos da praça. Aperto de mão, gesto de “legal”, dedo em v: a clara artificialidade desses gestos não denuncia em nada sua suposta inadequação para a nova faceta de sua personagem. Pelo contrário, lembra-nos que essa forma fake e já em grande medida desacreditada – a intimidade forjada, o “corpo a corpo com o eleitor”, o espírito bonachão – é aquela com que ainda hoje se apresentam os candidatos em campanha ou mesmo depois dela (basta lembrar quantas vezes vimos a Presidenta da República fazendo coraçõezinhos para a câmera). Mais uma vez, a “bicha muda” revela que não apenas conhece muito bem o repertório de gestos que compõem as diferentes posições dentro de um jogo midiático, mas agora, também, demonstra uma aguçada capacidade de adequar-se aos diferentes contextos de sua exposição pública. Nesse sentido, é interessante notar não apenas a ênfase nas qualidades requeridas pela sua nova posição – a pessoa de bom coração, querida pela comunidade e trabalhadora –, mas também a nova roupagem que assumiu, mais sóbria, quase recatada, provando mais uma vez que tudo se inscreve primeiro na superfície, nas roupas e adereços.

 

 

Não me parece equivocado questionarmos a pertinência de sua candidatura, ao menos desde que assumamos que o exercício da representatividade política requer algo mais do que a capacidade de disseminar a própria imagem e inspirar empatia – ou seja, algo além da  popularidade que a exposição midiática pode proporcionar. Também é legítimo perguntar pelo seu histórico de envolvimento com a comunidade que pretende representar, bem como manifestar apreensão a respeito da desenvoltura necessária para lidar com os muitos meandros implicados no exercício de uma função pública – sobretudo num contexto particularmente problemático ou mesmo, diria eu, perigoso, como é o caso da vida política juazeirense. As instâncias que julgam o mérito de uma candidatura não poderiam, no entanto, recorrer a esses argumentos para embasar a sua decisão, não apenas porque o teor dos mesmos é demasiadamente subjetivo, mas também porque é sabido que o processo eleitoral há muito tempo ocorre contra a ideia de uma especificidade do político, com partidos postulando candidaturas sempre que uma figura conhecida revela poder de fogo para a captação de votos. Temos visto inúmeros artistas, humoristas e subcelebridades moverem-se pelo campo da representação política, amparados exclusivamente no seu reconhecimento midiático. O influxo se deteve por um instante na figura da bicha muda, e não por acaso: ela incorpora muitos dos limites para aquilo que, em nossa sociedade, pode tornar-se visível.

O que as redes de televisão responsáveis por aqueles curtos intervalos de exposição supostamente inócua perderam de vista é que a personagem em questão quer mais, porque é isso que queremos todos, sempre. O desejo de alcançar os espaços até então interditos – de perguntar por que, afinal, não pode – revira os desníveis que mantêm as diferenças a uma distância segura para colocar a pergunta que importa: por que não falar de igual para igual? Muitas vezes, felizmente, a visibilidade é um caminho sem volta. Semana passada veio a notícia de que a candidatura d a “bicha muda” foi enfim deferida. Soube que ela já está participando de comícios, acompanhada por intérpretes. Desconheço as suas propostas, qual o teor daquilo que pretende expressar agora que está mais uma vez no centro de uma cena pública – dessa vez a dos palanques, percorrendo os bairros populares de sua cidade natal. Sei apenas que, numa conjuntura dominada pelo machismo, pelo sexismo e pela LGBTfobia, sua presença nessas eleições constitui uma interessante dissonância.

Toda vez que revejo os seus vídeos, sobretudo aquele de sua primeira entrevista, não posso deixar de dar uma risada que, gostaria de acreditar, guarda em si certa cumplicidade. Em parte porque sei que ela gosta daquele oba-oba e ri junto; em parte, também, porque lembro que, junto com a sua aparição em rede nacional, com as notícias que correram sobre suas andanças na capital do Estado, com essa agora inusitada candidatura e sabe lá mais o que virá em seguida, esse é apenas mais um dentre muitos momentos de uma vida que, ao longo dos anos, não fez outra coisa senão converter o improvável em possível. E embora acredite que não posso, com convicção, dizer que sou próximo da minha vizinha, continuo sorrindo, às vezes com um misto de incredulidade e apreensão, sem saber onde isso tudo vai dar. O que fica claro mesmo é que, vendo bem de perto, nenhuma imagem se presta unicamente ao riso ligeiro. De perto, ninguém é um meme.

 

 

*P.S. Quando publiquei esse texto em 2012, utilizei em algumas passagens o nome de registro da “bicha muda”, uma vez que ela não possui um nome social e continua sendo chamada daquela forma por algumas pessoas no seu círculo de convívio em Juazeiro do Norte. No entanto, uma das coisas que aprendi nos últimos anos é que nunca se deve divulgar o nome de registro de pessoas trans. De fato, mais de uma vez eu testemunhei, desde então, como é angustiante para elas a possibilidade de que essa informação possa ser divulgada. Diante disso, busquei editar o texto, usando a expressão “nossa vizinha” como alternativa para evocar a pessoa que existe para além da personagem dos vídeos, sem incorrer na violência de expor o seu nome de registro. Agradeço aos editores da Mil Inviernos pela disponibilidade que tiveram para fazer as correções.

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